sexta-feira, 5 de abril de 2013

O ABANDONO QUE DÓI

REPORTAGEM DA REVISTA GALILEU (FEV/2013) coloca em evidência, segundo pesquisas na área da psicologia, os danos psicológicos que o ABANDONO pode ocasionar na auto-estima e saúde do indivíduo. Essa questão deveria ser conhecida pelos operadores do direito em relação à criança abrigada, que tem apenas um teto, mas não tem o essencial: UMA FAMÍLIA PARA CHAMAR DE SUA.

 Nossa linguagem, no mundo todo, sempre emprestou termos físicos para descrever emoções ruins. Pesquisas antigas já indicavam que as comparações não eram apenas metáforas. Estudos com animais na década de 1990, por exemplo, revelaram que além de aliviar a dor após um ferimento, a morfina também reduz a tristeza que filhotes de rato sentem quando são separados da mãe.
Intrigada com o fenômeno, a Ph.D. americana em psicologia Naomi Eisenberg, da Universidade da Califórnia (UCLA), iniciou um estudo na década de 2000, visando descobrir o que o cérebro faz quando vivenciamos a rejeição social.
Neste estudo, voluntários foram submetidos a um jogo de computador desenvolvido por psicólogos, chamado Cyberball. Neste jogo, onde três jogadores passam uma bola entre si, o voluntário é levado a acreditar que jogam com pessoas reais em outra sala, quando na verdade os outros dois jogadores são controlados pela máquina. Quando esta parava de lhe passar a bola, as reações eram sempre fortes, de linguagem corporal proeminente e gesticulações constantes. Neste momento, dados neurológicos eram coletados por ressonância magnética a fim de determinar a reação cerebral ao estímulo negativo percebido.
A resposta obtida foi similar a da causada pela dor tradicional, que atua na região do cérebro conhecida como córtex cingulado anterior dorsal.
Esses resultados sugerem que nossa angústia após um insulto é igual à resposta emocional após um ferimento, mas outros estudos foram além, mostrando respostas corporais tangíveis.
Descobriu-se que o inverso também é verdade: aliviar a resposta corporal à dor física pode atenuar o sofrimento emocional. Foi o que demonstraram posteriores estudos envolvendo a administração de paracetamol, em que os voluntários influenciados pela droga apresentaram resultados significativamente menos expressivos em face da experiência sofrida com o Cyberball.
"A idéia de que você pode afetar a experiência social das pessoas com um remédio considerado leve e comum (o paracetamol) foi uma validação muito importante", diz Geoff MacDonald, da Universidade de Toronto, no Canadá, um dos autores do estudo. "É exatamente o tipo de descoberta que ajudaria a confirmar o conceito de dor social."
Também foi descoberto que os indivíduos que sentem mais dor quando um eletrodo quente encosta em seus braços também ficam mais magoados com o Cyberball. Parte disso se explica pela genética, devido a mutações gênicas, mas nem tudo. Experiências vividas na infância também ajudam a determinar sua sensibilidade. Um estudo no American Journal of Psychiatry, por exemplo, mostra que pessoas com certas formas de dor crônica têm maior probabilidade de terem sofrido experiências traumáticas, como abusos emocionais, durante a infância. É possível que a experiência deixe a rede da dor hiperativa, tornando essas pessoas mais sensíveis a qualquer forma de desconforto.
Faz sentido que a nossa evolução tenha produzido uma sensibilidade tão forte à rejeição. Ser expulso da tribo, para nossos ancestrais, equivalia a uma sentença de morte, expondo nossos antepassados à fome e aos predadores. Precisávamos de um sistema de alerta que nos avisasse de conflitos potenciais, impedindo que piorássemos a situação. A rede da dor, que mexe conosco quando enfrentamos o perigo físico do fogo ou de uma arma, seria o mecanismo ideal para ajudar a controlar nosso comportamento social. Alguns pesquisadores dão um passo além nessa linha de pensamento, sugerindo que a evolução pode ser a chave para explicar alguns sintomas misteriosos da solidão. As pessoas solitárias tendem a expressar com mais intensidade os genes da inflamação, especialmente nas células do sistema imunológico, e a expressarem menos os genes antivirais.
Por que o corpo lida dessa maneira com o isolamento? Steve Cole, geneticista comportamental da Universidade da Califórnia, encontrou uma resposta para isso quando passou a analisar como diversas doenças afetam pessoas com vidas sociais diferentes. Os vírus se espalham rapidamente entre grandes grupos, enquanto infecções bacterianas letais em geral são causadas por ferimentos que nossos ancestrais teriam maios probabilidade de sofrer quando estavam sozinhos, sem a proteção do resto da tribo. Cole sugere que nosso sistema imunológico pode estar "prestando atenção" aos sinais de status social de nosso cérebro. Se estamos vivenciando uma vida social animada em um grande grupo, nosso corpo se prepara para enfrentar os vírus; se nos sentimos solitários, o córtex cingulado e outras regiões fortalecem a inflamação, que nos ajuda a combater infecções bacterianas. A idéia é reforçada por estudos que mostram que tarefas socialmente estressantes, como fazer um discurso improvisado, aumentam as atividades da rede de dor, provocando uma resposta imunológica inflamatória, como se o cérebro estivesse se precavendo contra a ameaça de isolamento e ferimentos.
No mundo moderno, a inflamação elevada é relacionada com uma série de problemas, incluindo doenças cardíacas, câncer e Alzheimer. E indivíduos solitários correm mais risco de sofrer todos eles. Em 2010, uma metanálise de 148 estudos mostrou que indivíduos com conexões sociais adequadas têm 1,5 vez mais chances de sobreviver até o final do período de estudo do que os solitários, um efeito comparável a não fumar ou não beber em excesso. Outro estudo, publicado em 2012, observou a saúde de 2.000 americanos idosos e de meia-idade. Os participantes que informam maior solidão tinham o dobro de chances de morrer durante os 6 anos do estudo do que aqueles com os menores níveis dessa sentimento.

(por Lisa Raffensperger, texto adaptado, originalmente publicado na Revista Galileu, edição 259, fevereiro de 2013, pgs. 56 a 61. Ilustração: Azucrina)

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