domingo, 16 de fevereiro de 2014

ISTOÉ: MUDANÇAS NO ECA PRIORIZAM AS ADOÇÕES ESPECIAS

Por Fabíola Perez e Wilson Aquino

Adoção sem barreiras

Nova lei prevê prioridade para adoção de crianças com deficiência e tenta diminuir a burocracia e a lentidão dos pedidos que tramitam no Judiciário

Números divulgados este mês pelo Conselho Nacional de Justiça mostram que, das quase 5,5 mil crianças e adolescentes na fila para a adoção, cerca de 1,2 mil têm problemas de saúde. Para acelerar o processo, uma nova lei, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff na quinta-feira 6, acrescenta ao Estatuto da Criança e do Adolescente um parágrafo que determina prioridade na tramitação de adoção de crianças e adolescentes especiais. O coordenador de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Antonio Carlos Malheiros, afirma que a nova lei surge para melhorar a lei de adoção de 2009. “É uma forma de encurtar o caminho: as entrevistas devem ser mais rápidas e o processo de guarda provisória também será abreviado.” A aplicabilidade da lei esbarra, entretanto, na alta demanda de processos que chegam ao poder Judiciário. “As varas de infância precisam ser mais bem estruturadas, com um maior número de profissionais”, afirma o desembargador.
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SINTONIA
Nathália (à esq.) foi adotada aos 4 anos por Paula, que aprendeu a linguagem
de sinais para se comunicar com a filha deficiente auditiva
Hoje no Brasil existem 125 grupos de adoção que ajudam a preparar pais adotantes a conviver com as necessidades dos filhos especiais. Paula Bueno, 47 anos, é um deles. Ela fazia trabalho voluntário com crianças em orfanatos e abrigos de São Paulo quando decidiu adotar Nathália, uma menina de 4 anos, portadora de deficiência auditiva. “O abrigo que ela vivia incentivava o convívio familiar e, como eu já a conhecia, resolvemos passar um fim de semana juntos. Depois disso, queríamos estar todos os dias com ela.” O processo para a adoção começou em 2001. Paula logo apresentou os documentos para entrar no Cadastro Nacional de Adoção e, um ano depois, conseguiu a guarda definitiva. “Era uma criança agitada, já havia passado por algumas famílias, mas nenhuma quis ficar com ela”, afirma a mãe. Além do curso preparatório pelo qual devem passar todos os pais antes de adotar crianças com deficiência, Paula procurou também um curso de libras para conseguir se comunicar melhor com a filha. Matriculou Nathália em uma escola convencional e, aos 11 anos, ofereceu-lhe um implante coclear – espécie de ouvido biônico que lhe devolveu 80% da audição. Para a psicóloga e presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini, encontrar pais que queiram adotar crianças com deficiência ainda é muito difícil. “Não é só uma questão de querer fazer o bem, crianças especiais têm necessidades particulares e isso implica ter condições financeiras que possibilitem a adoção”, afirma.
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LAÇOS
Maria Rita já tinha três filhos quando decidiu adotar Felipe, soropositivo
que foi abandonado pela mãe biológica em um hospital
Crianças e adolescentes soropositivos também fazem parte do grupo que sofre rejeição. Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, atualmente existem cerca de 132 portadores do vírus HIV disponíveis para adoção. A fundadora do Movimento Nacional de Crianças Inadotáveis, Aristéia Moraes Rau, alerta, porém, que há uma quantidade muito superior aos números oficiais. “Parte do Judiciário acredita que não há interesse por essas crianças e, como os abrigos estão superlotados, a maioria acaba de fora da lista de adoção”, diz. É o caso de Felipe, que mal tinha nascido e fora condenado à morte. Tinha Aids, problemas pulmonares e foi abandonado em um hospital público de Curitiba pela mãe biológica. A artista plástica Maria Rita Teixeira era voluntária da Associação Paranaense Alegria de Viver (Apav), uma organização que cuida de crianças e adolescentes soropositivos, quando soube do caso de Felipe. “Tinha três filhos biológicos e um pressentimento muito forte de que teria mais um”, diz. “Quando vi o Felipe, me apaixonei.”
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Maria Rita entrou logo com o processo de adoção. Os médicos, porém, diziam que a criança estava em estado terminal. “Levei dois anos para conseguir a guarda definitiva dele”, lembra. “Muitas crianças perdem a chance de ganhar uma família por conta da burocracia ou porque simplesmente não foram inscritas no cadastro de adoção”, diz. Hoje com 15 anos, Felipe está no primeiro ano do ensino médio. Um dos equívocos da lei de adoção de 2009, segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Direito à Família (Ibdfam), Rodrigo da Cunha Pereira, é que as varas da infância buscam membros da família biológica antes de conceder a guarda aos pais adotivos. “Isso atrasa o processo em mais de um ano e muitas vezes a família biológica não quer ficar com o filho”, diz. Para ele, ainda é preciso aguardar para saber se a nova lei terá resultados práticos. “O Judiciário não consegue dar vazão aos processos e, muitas vezes, ignora a legislação.”
Fonte: Istoé

FOLHA DE SÃO PAULO ENTREVISTA JOVENS INADOTÁVEIS

   No dia 2 de Fevereiro deste ano de 2014, a TV Folha, do jornal Folha de São Paulo, entrevistou os jovens abrigados da APAV, dando especial ênfase ao descaso do Poder Judiciário quanto aos processos de adoção e de destituição familiar, responsáveis pelo envelhecimento dos jovens no abrigo.

   A reportagem igualmente aborda as recentes ações por danos morais contra o Estado, promovidas pelos jovens, buscando compensação pelo ato ilícito das autoridades públicas que deveriam ter promovido e propiciado a consecução dos atos necessários para possibilitar a inclusão dos jovens de hoje no cadastro de adoções, apesar de entrarem crianças nos abrigos.
   A cobertura vem em momento crucial para a causa dos Inadotáveis, em especial pelo encerramento da APAV, que em razão do atraso no repasse das verbas públicas destinadas ao sustento do abrigo e dos jovens, se vê obrigada a fechar suas portas.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

INADOTÁVEIS NA FOLHA DE SÃO PAULO: JUDICIÁRIO RECONHECE FALHAS

Gessér Santos, um dos jovens que busca indenização por ter ficado fora do cadastro
 Saiu neste domingo (02/02/2014) matéria no mais importante jornal brasileiro, a Folha de São Paulo, acerca do descaso do judiciário em relação às crianças inadotáveis, que não foram colocadas na fila de adoção e envelhecem nos abrigos, e as recentes ações promovidas pelos jovens buscando indenização pela injustiça contra eles cometida (na foto, Gessér Santos, 20 anos, autor da pioneira ação contra o Estado pela perda da chance de adoção, que envelheceu no abrigo e hoje já se encontra maior de idade).
 Na reportagem de autoria da repórter Natália Cancian, foram entrevistadas as crianças abrigadas na APAV, que relataram sua situação e como se sentem em face da falha judicial que as levou à perda da chance de entrar na fila de adoção e eventualmente conquistar o fundamental direito de ter uma família.
 Nesta mesma oportunidade, o próprio desembargador responsável pelas varas de infância e juventude do Tribunal de Justiça paranaense reconhece as falhas e deficiências do judiciário, admitindo que somente à partir do ano passado começaram a ser feitos levantamentos dos casos de menores que aguardam nos abrigos sem sequer ter tido a chance da inclusão de seus nomes no CNA (Cadastro Nacional de Adoções).
  Segue abaixo a matéria como publicada na edição online do referido jornal:


 "Por erro da Justiça, crianças crescem fora de fila de adoção no PR
 
Gessér Santos, 20, não sabe para onde ir. Encaminhado a um abrigo após a morte da mãe, ele cresceu sem contato com a família de origem na capital paranaense.
Também passou dez anos sem a chance de encontrar uma família, já que nunca entrou no cadastro de adoção, por deficiências na Justiça.
Gessér e outros 13 jovens da Apav (Associação Paranaense Alegria de Viver), instituição que acolhe portadores de HIV em Curitiba, são o retrato de uma série de crianças que acabam "invisíveis" nos abrigos do país.
Agora, os adolescentes buscam uma resposta na Justiça. Mais que isso: uma indenização por terem passado anos praticamente esquecidos nas instituições.
Segundo juízes e especialistas ouvidos pela Folha, iniciativas judiciais como essas ainda são raras no país. No RS, há pelo menos dois casos.
No Paraná, a primeira ação do grupo da Apav foi protocolada em novembro.
As demais, com pedido de indenização de R$ 100 mil para cada um, estão previstas para este ano. A iniciativa é do Movimento Nacional das Crianças "Inadotáveis" –que perdem a chance de adoção por falta de ação do Estado.
"A vida inteira ficamos na expectativa de ter uma família. E a gente foi privado disso", diz Adrieli de Melo, de 18 anos, 15 deles passados no abrigo à espera de uma mudança. Que nunca aconteceu.
"Eu sempre fiquei aborrecida por nunca ter casais que viessem atrás de mim. Eu tinha três anos quando vim pra cá. Mas passaram 10, 12 anos, e nada, até a maioridade", relata a jovem, que diz ter sido excluída pela Justiça e agora faz planos para deixar a instituição com os "irmãos".
"Esperava ter tido uma família. Mas agora é tarde", diz outro jovem de Curitiba, de 16 anos, que sonha em ser modelo. Ou advogado, "para mudar o que está errado".
NEM LÁ, NEM CÁ
Segundo Thiago Marenda, advogado que acompanha o caso, mesmo com pouco ou nenhum contato com a família de origem, os jovens não tinham processos de destituição do poder familiar -por isso não entraram na lista de aptos para adoção.
"Não foi tomada nenhuma medida além de abrigar esses jovens", afirma o advogado.
Para Marenda, essa situação é mais frequente em "determinados perfis de crianças", como as mais velhas, com algum tipo de deficiência ou com HIV, por exemplo.
Há 14 anos no abrigo, João Luiz (nome fictício), 16, diz que nem mesmo o preconceito pelo HIV poderia ser uma justificativa. "A chance de sermos adotados não era de 100%, mas podia ser [ao menos] de 45% ou 50%."
Presidente da Apav, Maria Rita Teixeira confirma a demora da Justiça no acompanhamento de alguns casos.
"Raramente nos pediam relatório das crianças", relata a presidente, que diz ter recebido a primeira visita do Judiciário após 19 anos de funcionamento da Apav.
O Estatuto da Criança e do Adolescente recomenda que a permanência em abrigos não supere dois anos, salvo "comprovada necessidade".
A situação das crianças acolhidas deve ser reavaliada, no máximo, a cada seis meses. Hoje, há 46.544 delas em instituições, diz o Conselho Nacional de Justiça."

Fonte: Folha de São Paulo

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