sexta-feira, 1 de abril de 2011

Cadastro nacional ainda não agilizou adoções


Desde 2008, só 425 crianças ganharam uma família por meio da ferramenta, média de uma a cada três dias. Muitos juízes não alimentam o banco de dados

Desde a criação do Cadastro Na­­cional de Adoção (CNA), em abril de 2008, apenas 425 crianças em todo o país ganharam uma família por meio do sistema. O nú­­mero, que corresponde, em média, a uma adoção a cada três dias, mostra que o cadastro ainda não cumpriu a promessa de agilizar adoções no país. O valor não representa o total de novas famílias porque a ferramenta ainda não é utilizada plenamente pelos juízes – o que deveria ser obrigatório – e ainda ocorrem procedimentos fora do CNA. Além disso, 44% das crianças inscritas desde 2008 deixaram o cadastro sem conseguir uma família. 

Apesar do esforço do Conselho Nacional de Justiça (CJN), o cadastro ainda não conseguiu reunir todas as crianças aptas no país. Há estados, como Amapá e Piauí, sem nenhum menino ou menina no programa. Outros, como Acre, To­­cantins e Roraima, têm menos de dez inscritos. Em Curitiba, por exemplo, há apenas 16 crianças no sistema, mas cerca de mil vivem nos abrigos da capital. Só está cadastrado quem já tem a situação jurídica definida, ou seja, quando o poder familiar já foi destituído e os pais biológicos não são mais responsáveis legalmente pelos filhos.

Essa situação mostra, na prática, que o Judiciário ainda é reticente em usar o programa. Segundo a nova Lei de Adoção, a utilização de cadastros nacionais e estaduais é obrigatória e o mesmo dizem resoluções do CNJ. Mas o baixo número de crianças inscritas, 4.427, mostra que o CNA ainda não emplacou nas comarcas brasileiras. Além disso, há o problema da superlotação dos abrigos e falta da destituição do poder familiar.
É possível que as 425 adoções realizadas por meio do sistema tenham ocorrido envolvendo pessoas de estados ou municípios diferentes, deixando os casos de pretendentes e crianças da mesma comarca fora das estatísticas. Em Curitiba, por exemplo, a prioridade é encaminhar as crianças para famílias que moram na cidade e elas acabam não entrando no cadastro.
Outro dado preocupante é que, das 8.598 crianças e adolescentes que já passaram pelo CNA, 3.784, ou cerca de 44%, deixaram o cadastro porque chegaram à maoridade sem encontrar uma família. Esse número representa 86% do total de cadastradas hoje, que é de 4,4 mil. Além dos 425 meninos e meninas já adotados, há 196 casos ainda em processo.
Opiniões
Na avaliação do juiz auxiliar da corregedoria do CNJ, Nicolau Lupianhes Neto, o número de adoções pelo CNA não é baixo quando se leva em conta as peculiaridades de cada estado. “O cadastro demandou um grande trabalho inicial que começa a mostrar os frutos agora”, afirma o juiz, que considera o CNA uma ferramenta importante para quem trabalha na área da infância e juventude por traçar um panorama sobre os garotos e garotas e possibilitar a criação de novas políticas públicas. Apesar da obrigatoriedade em se cadastrar os pretendentes e as crianças disponíveis para adoção, Lupianhes admite que isso ainda não acontece em todo o país. “Talvez isso ocorra ainda por uma falta de cultura de utilização da ferramenta”, diz. Ele acredita que a tendência é o número de adoções realizadas pelo cadastro aumentar.
A presidente da Associação dos Grupos de Apoio à Adoção (An­­gaad), Maria Bárbara Toledo, afirma que o cadastro foi um avanço por introduzir uma uniformização. “Ele conseguiu uniformizar o procedimento em todo o país, e para isso alguém teve de fazer a lição de casa. Hoje a pessoa está habilitada em todo o território nacional e isso é positivo porque a legislação é uma só.”
Maria Bárbara questiona, no entanto, o fato de o CNJ ter decidido inserir no CNA apenas quem já te­­ve o poder familiar destituído. “A luta do movimento é para que ao me­­nos aquelas que já têm uma ação proposta também sejam in­­cluí­­das”, afirma a presidente da An­­gaad, que considera positivo o nú­­mero de 425 adoções desde a criação do cadastro. Ela lembra ainda que o CNA é um banco de dados que precisa ser alimentado, o que exige pessoas comprometidas, e que o cadastro é recente e alguns estados, que ainda estão se adaptando.
Média anual de Curitiba é de 150 adotados

Em Curitiba, o ritmo de adoções teve uma queda entre 2009 e 2010, devido a problemas burocráticos do Tribunal de Justiça, e passou de 160, em 2010, para 123 ano passado. Apesar disso, a capital manteve uma média de cerca de 150 adoções anuais. Agora juíza e a equipe técnica da 2.ª Vara da Infância, Juventude e Adoção se prepararam para tentar colocar os processos em dia. Um mutirão foi realizado para rever processos antigos e restaram 362.
O procedimento adotado na vara é oferecer as crianças em situação de adoção primeiro para os pretendentes da capital. Somente quando o garoto ou garota não se encaixa no perfil requerido por nenhum pretendente é feito o cadastro no CNA. O objetivo é possibilitar que o adotado permaneça no município de origem. Para a juíza Maria Lúcia de Paula Espíndola, a nova lei de adoção impactou na destituição do poder familiar, já que agora, além de procurar os pais, a Justiça deve questionar se a família extensa, como tios e avós, quer cuidar das crianças.

Abandono

80 mil ainda podem estar em abrigos
Além de ter dado mais transparência ao processo de adoção, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) mostrou outro problema sobre a infância em situação de vulnerabilidade: o grande número de crianças esquecidas nos abrigos do país. Até hoje não existe um levantamento confiável sobre este dado, mas estimativas apontam que existem cerca de 80 mil meninos e meninas vivendo em abrigos. Eles acabam ficando em um limbo legal, já que não podem viver com a família biológica nem em uma família adotiva.
O abrigamento deveria ser uma medida excepcional, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas pesquisas mostram que muitas vezes isso ocorre por causa da pobreza dos pais. Os responsáveis por essa medida são, na maior parte dos casos, os conselheiros tutelares, mas eles devem sempre contar com o aval do Judiciário.
Esse “esquecimento” das crianças nos abrigos fez com que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criasse um segundo cadastro nacional, direcionado a identificar esses meninos e meninas, mas ele ainda foi totalmente implementado. Esse fator também contribui para o baixo número de garotos e garotas inscritos no CNA, já que as crianças continuam nos abrigos, mas o poder familiar dos pais não é destituído.
Destituição
Manuela Teixeira de Melo, do grupo de apoio à adoção Quintal Casa de Ana, sediado no Rio de Janeiro, explica que a destituição do poder familiar também é uma decisão difícil para os magistrados, já que a criança perderá completamente o vínculo com os pais biológicos e haverá uma averbação na certidão de nascimento explicando a destituição. Quando há violência o processo é mais fácil, mas muitas vezes a família está envolta em problemas como uso de drogas e álcool e não necessariamente abandonou os filhos. Cortar em definitivo esses vínculos é algo que pode definir a vida dos garotos e garotas, já que a chance para os mais velhos de encontrar uma nova família é baixa.
Preferência é por brancos e sem irmãos
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) ajudou a mostrar estatisticamente como o brasileiro é preconceituoso na hora de adotar. O perfil requerido pelos pretendentes mostra um descompasso em relação aos garotos e garotas disponíveis. Há exigência por crianças pequenas, brancas e sem irmãos, mas no CNA estão disponíveis crianças pardas ou negras e com irmãos.


Um comentário:

  1. Reportagem do Jornal Gazeta do Povo de 07/06/2010 apontou que a “Resolução de 2008 do Tribunal de Justiça dificultou ainda mais o já demorado processo de adoção do Paraná”, com a redução das adoções em número seis vezes menor em 2009. Como pode ter havido um número de 123 adoções em 2010? Nesse número não se incluem as crianças portadoras de HIV, especialmente da instituição ACOA, na qual estão abrigadas mais de 40 crianças, com idades variadas de 0 a 17. Os processos antigos em questão de adoção (362) estão impedindo o atendimento de mais de quinhentos casais que se encontram na fila de adoção em Curitiba, prejudicando outros processos mais novos que se acumulam em cartório. Um processo de habilitação que deve ser concluído em 60 dias, chega a durar mais de um ano. Mesmo nas adoções especiais (tardia ou de criança especial), o processo é moroso e precário o atendimento dos pais adotivos, e nem nessa hipótese o prazo é cumprido. Esbarra-se mesmo é no fato de que as crianças entram nos abrigos e não saem, pois a destituição do poder familiar não ocorre. Dizer que a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente pela n. Lei 12.010, de 3/08/2009 “...impactou na destituição do poder familiar” é uma falácia, uma vez que choca mesmo é saber que a alteração legal que tenta dar eficiência e eficácia ao Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo com a criação do Cadastro Nacional de Adoção, o ritmo de adoções jamais atenderá o superior interesse das crianças. Basta se fazer um simples cálculo matemático: se desde a criação do cadastro de adoção (abril/2008) até agora foram adotadas em todo Brasil apenas 425 crianças de 5.000 que estão prontas para adoção, as demais levarão 35 anos para serem adotadas (80 mil crianças estão abrigadas no Brasil). Outra situação que precisa ser desmitificada é a preferência da criança abrigada ser restituída à sua família nuclear ou extensa, pois mesmo nessa hipótese não se pode impor à criança esperar que essa averiguação perdure até mesmo por mais de dez anos. A Juíza Maria Lúcia de Paula Espíndola diz que primeiro busca pais interessados na capital, sem incluí-las no cadastro nacional. Essa prática contraria, com certeza, o princípio do Cadastro Nacional de Adoção, na medida em que tal prática tem demonstrado, se efetivamente ocorre, não ter acelerado o processo de adoção das mais de mil crianças que se encontram abrigadas apenas na capital do Paraná, muito menos das crianças portadoras de HIV.
    Aristéia Moraes Rau
    Mãe que espera que o mutirão da 2ª Vara da Infância e Juventude inclua o processo de suas três filhas (adoção tardia e especial – portadoras de HIV)

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