segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Crianças inadotáveis


 Texto em homenagem ao dia do órfão (24/12)

"Aristéia Rau, presidente do Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis – Monaci, conta que, em agosto de 2010, entrava, com seu marido, Alberto Rau, na fila de espera de adoção. O casal, que já tinha dois filhos biológicos, planejava adotar mais duas crianças. “Estávamos concluindo nosso processo de habilitação e recebemos um questionário sobre o perfil da criança que nós queríamos adotar. Nessa lista de perguntas, havia uma sobre se nós adotaríamos uma criança com HIV”, lembra Rau, que até então não sabia que havia crianças portadoras do vírus para adoção. 
Em Curitiba, cidade em que vive a família Rau, duas instituições abrigam crianças soropositivas, a Associação Paranaense Alegria de Viver – APAV e a Associação Curitibana dos Órfãos da Aids – ACOA. . “Quando fomos à ACOA, pretendendo adotar duas crianças, nos apaixonamos por quatro meninas”, diz Rau. Mesmo conhecendo todos os trâmites legais – Aristéia é assessora de um desembargador e seu marido, Alberto, é advogado –, o casal teve dificuldade para lidar com o processo de adoção das meninas. “Fomos habilitados com grande dificuldade, o prazo, que seria de 60 dias, durou quatro meses. Nem o pedido de guarda que fizemos reiteradas vezes foi analisado. Meu marido fez uma manifestação pública em frente ao fórum para chamar a atenção para o descaso do poder judiciário e isso foi a gota d’água. O judiciário não permitiu que as meninas ficassem conosco no mês de janeiro e, quando retornamos de férias, eles nos impediram de visitá-las. Diante dessa situação, criamos um blog para começar a pressionar o judiciário e mostrar a situação dessas crianças, que, na nossa concepção, tornam-se inadotáveis, pois lhes é negado o direito de serem adotadas”, conta. 
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, toda criança ou adolescente tem direito à convivência familiar e, no caso de inserção em programa de acolhimento, deve ser dada prioridade à reintegração da criança à família de origem. A legislação prevê, ainda, a permanência da criança ou do adolescente por não mais do que dois anos na instituição de acolhimento, salvo casos especiais devidamente fundamentados pela autoridade judicial. Por esse motivo, para Rau, a lei está sendo descumprida, uma vez que há inúmeros casos de crianças que acabam passando toda sua infância e adolescência em abrigos. “As crianças portadoras de HIV entram na instituição muitas vezes com meses de vida e chegam a ficar lá por anos, como as minhas filhas, a mais velha já está com 15 anos na instituição”, conta. “Nós estamos criando na sociedade brasileira crianças que, por crescerem dentro de abrigos, terão problemas futuramente, terão dificuldade de se inserir na sociedade”, afirma a presidente do Monaci. 
A frustração de não poder ter junto de si crianças com quem a família já criara vínculos afetivos foi o que deu origem ao movimento. “Nós transformamos a nossa dor nessa bandeira, no Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis. Inadotáveis por serem portadoras de HIV, por serem negras, por terem idade avançada. E o judiciário coloca a culpa da ineficácia dos processos de adoção no perfil dos casais. Mas eu pergunto, qual a conscientização que fazemos da sociedade?”, explicou. “Eles dizem que os casais querem sempre um determinado perfil, querem adotar apenas bebês. Existem muitos bebês nas instituições de abrigamento, mas eles envelhecem”, alertou Rau sobre como é nociva a morosidade do judiciário nos casos de adoção.
 O Monaci foi criado como um movimento social para reunir a sociedade e instituições que trabalhem com a questão da infância. O movimento ministra palestras em escolas e universidades, participa de debates e busca cobrar do judiciário a aplicação efetiva da lei e a proteção dessas crianças que, segundo Rau, passam para a tutela do Estado e são esquecidas dentro do sistema. “Essas situações especiais tem que ser vistas de forma prioritária. Se o casal está habilitado, qual o problema de querer adotar uma criança portadora de HIV? Por que os casais se habilitam e não conseguem adotar no Brasil? Por que o ECA prevê que a criança preparada para adoção e os casais habilitados devem se encontrar e ninguém promove esses encontros?”, questiona. 
Em 2010, 1300 crianças encontravam-se em abrigos em Curitiba e 600 casais estavam na fila de adoção. No mesmo ano, apenas 42 processos de adoção foram concluídos. “Nós temos inúmeros casais que saem da fila de adoção, porque ficam de cinco a dez anos na espera”, revela Rau. Segundo a presidente do Monaci, vários motivos são dados para a adoção não sair. “É porque você é ansioso, é porque você quer adotar por caridade, é porque o seu filho morreu, é porque você é muito velho, são vários motivos para as adoções não saírem, em prejuízo do interesse da criança”, afirmou. 
A dificuldade para adotar uma criança tem feito com que muitos casais desistam da espera. Em um caso contado pela presidente do Monaci, um casal paranaense que vive em Manaus se apresentou para a adoção de um bebê portador de HIV, mas, após longas idas e vindas entre as duas cidades, não teve sucesso. Segundo Rau, a própria presidente de uma instituição de acolhimento teve de lutar por dois anos no judiciário para adotar seu filho, hoje com 14 anos, portador de HIV. 
Bernardo Vianna / VIA Blog"
Texto originalmente publicado em Viablog na data de 4 de dezembro de 2012.

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