terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A eterna espera de uma família



Além do preconceito, crianças e adolescentes com HIV/Aids precisam superar demora da Justiça para terem chance de adoção

  No dia 1º de dezembro comemora-se o Dia Mundial de Luta contra a Aids. Desde o início da epidemia no Brasil, em 1980, até junho de 2011, o país registrou 608.230 casos de infecção pelo vírus HIV, de acordo com o Boletim Epidemiológico de 2011, Ministério da Saúde. Só no ano passado, foram registrados 7.762 novos casos no Brasil, 2.491 destes na Região Sul. Do total da região, 87 foram notificados em crianças e adolescentes de zero a 19 anos.
  Quando surgiu, a doença era vista como uma sentença de morte. Mas, com os avanços e a universalização do tratamento da doença e o desenvolvimento de novos medicamentos que controlam a sua evolução, os soropositivos passaram a ter uma expectativa de vida aproximada da média dos que não possuem o vírus. Entretanto, a enorme desinformação da população a respeito do tema faz com que o preconceito contra as pessoas que vivem com aids seja, ainda hoje em dia, muito grande.
  Para marcar a data e sua luta em defesa das crianças e adolescentes soropositivos que vivem em situação de acolhimento institucional, o Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis (MONACI) lançou nesta terça-feira (27), em Curitiba, um protesto para mostrar à população a real situação desses meninos e meninas.
  O MONACI nasceu após um casal de Curitiba ver de perto a burocracia que cerca os processos de adoção no país. De acordo com a presidente do movimento, Aristéia Rau, o trâmite das ações necessárias para que uma criança seja incluída no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e esteja disponível para ser recebida por uma nova família é muito lento. Essa morosidade é ainda maior, segundo Rau, quando as crianças pertencem ao grupo dos “inadotáveis” (como são chamadas os meninos meninas que estão fora do perfil mais procurado para adoção - crianças com menos de três anos de idades, brancas e saudáveis), especialmente as com sorologia positiva.
  Em agosto 2010, Aristéria e o marido, Alberto Rau, iniciaram o processo para tentaram adotar quatro meninas soropositivas em Curitiba. Apesar de já terem conseguido o direto de visita às crianças, que passavam os finais de semana na casa do casal, em dezembro daquele ano, sem nenhuma justificativa, segundo Aristéia, a Justiça não concedeu a guarda provisória das meninas ao casal. Logo após, os dois receberam a notícia de que a autorização para visitar as meninas havia sido revogada. Inconformados, o casal começou a pressionar o Poder Judiciário em busca de uma explicação para a recusa, mas não obtiveram resposta. Em março de 2011, fundaram, então, o MONACI, que colocou em evidência a situação de descaso do Poder Judiciário em relação as crianças que vivem em instituições de acolhimento, em especial às com HIV. Hoje, após um ano sem ver as meninas, o casal conseguiu recentemente a guarda definitiva de dois irmãos do Rio de Janeiro, mas ainda não desistiram das quatro garotas por quem se apaixonaram e, pelo que sabem, ainda vivem na mesma instituição de acolhimento.
  Segundo Aristéia, o discurso do judiciário é de que as adoções devem ser feitas com cuidado. Mas, para ela, após a apresentação de toda documentação necessária, o processo deveria ser mais rápida. “As adoções são lentas, o Estatuto da Criança e do Adolescente não é comprido e, as crianças negras, mais velhas, portadoras de necessidades especiais e com HIV demoram ainda mais para entrar na fila do CNA”, diz. Para ela, a Justiça supõe que essas crianças não vão ser adotadas e então não se preocupa em dar andamento a seus processos de destituição familiar, e, por isso, essas crianças ficam abrigadas por até 10 anos e são praticamente invisíveis dentro do sistema.
  Para ela, adoções de crianças fora do perfil padrão de procura deveriam ser aceleradas. “Todas as vezes que uma pessoa se interessar por uma dessas crianças a Justiça deveria das celeridade a esses processos e não pressupor que essas pessoas sejam lunáticas”, diz.
De acordo com dados do CNA, em 2011, o Paraná era o segundo estado com mais pretendentes para adoção no Brasil. Só em Curitiba haviam 600 casais habilitados para adotar e 153 crianças e adolescentes disponíveis para adoção.
  Entretanto, o MONACI questiona a veracidade desses números, uma vez que, de acordo com a presidente da instituição, Aristéia Rau, muitos abrigados, especialmente os que possuem o vírus HIV, não são inscritos no CNA.
Segundo ela, há um descaso do Poder Judiciário em relação a essas crianças, que ficam por anos em abrigos sem que os processos para destituição do poder familiar ou para a reintegração desses jovens nas famílias de origem sejam concluídos. Dessa forma, essas crianças acabam ficando esquecidas nesses abrigos e são impedidas de exercerem plenamente o direito a convivência familiar.
  “Esses números não são reais, pois só apontam as crianças que estão em processo regular de adoção. Há uma grande demora na destituição do poder familiar e, muitas vezes, ela não ocorre, pois esses processos envolvendo crianças com HIV dormitam nos gabinetes dos juízes. As crianças soropositivas, que chegam muitas vezes bebês nas instituições, só entram na fila de adoção com 10, 15 anos, quando suas chances de serem adotadas caem ainda mais”, explicar Rau.
  A fragilidade dos dados do CNA é facilmente averiguada quando observamos a diferença entre os números oficiais de crianças com HIV disponíveis para adoção em Curitiba e o número de crianças que vivem nas duas instituições de acolhimento institucional que abrigam crianças com HIV na cidade: a Associação Paranaense Alegria de Viver (APAV) e a Associação Curitibana dos Órfãos da Aids (ACOA). A primeira abriga hoje 15 crianças com sorologia positiva e a segunda, 10. Entretanto, de acordo com Maria Rita Teixeira, presidente da APAV, para o Conselho Nacional de Justiça, existem apenas 13 crianças e adolescentes com Aids disponíveis para adoção no Paraná.
Para ela, não basta que a Justiça simplesmente encaminhe as crianças em situação de risco para as instituições e depois “lave as mãos”. É preciso ver o que se pode fazer por esses meninos e meninas, que não pode devem envelhecer em uma instituição sem ao menos terem chance de serem adotados.
  “Não podemos perder tempo. Se existem famílias que estão abertas para receber filhos, por que dificultar tanto? Existem casais que ficam nove, 10, 11 anos em filas de adoção. E por outro lado, temos crianças que vivem em abrigos sem terem a destituição familiar decretada pelo mesmo período. Mas, uma família que não visita a criança por oito anos, tem interesses em receber essa criança novamente? Em minha opinião, não”, desabafa Maria Rita.

Outro lado

  De acordo com o promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Paraná, Murillo Digiácomo, não existediferença entre os trâmites para adoção de crianças com ou sem HIV. A única preocupação da Justiça é orientar os pretendentes a adoção de que se trata de uma criança que necessita de cuidados especiais. “É preciso informar aos futuros pais sobre a condição da criança, para que eles tomem os cuidados necessários para que seu filho não seja segregado na família ou na escola, para que eles continuem o tratamento sem tratar aquela criança como um ser doente, até porque hoje a Aids é uma doença controlável e a expectativa de vida desses meninos e meninas é praticamente igual aos do que não possuem essa condição”, diz o promotor.
  Sobre a suposta demora na inclusão dessas crianças no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), Digiácomo explica que a Justiça prima pela convivência familiar da criança e, por isso, o acolhimento institucional é evitado o quanto possível. Assim, é preciso, antes de encaminhar uma criança para adoção, verificar se realmente não existe condição de reintegrá-la a família, sendo a destituição do poder familiar a última alternativa.
  Para a juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, Lídia Munhoz Mattos Guedes, a conta do número de casais aptos à adoção e o número de crianças disponíveis para adoção não fecha devido ao perfil muito restrito que os adultos buscam. “Existe um estudo amplamente divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça que demonstra que o que ocorre é que as crianças disponíveis para adoção estão fora do perfil procurado. É muito raro pessoas se habilitarem para adotar crianças com HIV ou com qualquer outro tipo de doença”, diz a juíza.
  Para solucionar esse problema, tanto a juíza quanto o promotor reconhecem que é necessário que o próprio Poder Judiciário incentive a adoção de crianças fora do perfil mais procurado para adoção. “A dificuldade para adoção não está na lei, está no perfil que os adultos procuram, mas isso é mutável. Existem movimentos tentando mudar essa visão, estimulando a adoção de grupos de irmão, crianças mais velhas, com alguma doença. Esses grupos tentam conscientizar as pessoas de que não apenas aquelas crianças que eles idealizaram poderão preencher plenamente a vontade de ser pai de quem se propõe a adotar, muito pelo contrário”, explica Digiácomo.

Disponível em: Infância na Mídia 
Acessado em 04 dez. 2012.

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