Além do preconceito, crianças e adolescentes com HIV/Aids precisam superar demora da Justiça para terem chance de adoção
No
dia 1º de dezembro comemora-se o Dia Mundial de Luta contra a Aids.
Desde o início da epidemia no Brasil, em 1980, até junho de 2011, o país
registrou 608.230 casos de infecção pelo vírus HIV, de acordo com o Boletim Epidemiológico
de 2011, Ministério da Saúde. Só no ano passado, foram registrados
7.762 novos casos no Brasil, 2.491 destes na Região Sul. Do total da
região, 87 foram notificados em crianças e adolescentes de zero a 19
anos.
Quando
surgiu, a doença era vista como uma sentença de morte. Mas, com os
avanços e a universalização do tratamento da doença e o desenvolvimento
de novos medicamentos que controlam a sua evolução, os soropositivos
passaram a ter uma expectativa de vida aproximada da média dos que não
possuem o vírus. Entretanto, a enorme desinformação da população a
respeito do tema faz com que o preconceito contra as pessoas que vivem
com aids seja, ainda hoje em dia, muito grande.
Para
marcar a data e sua luta em defesa das crianças e adolescentes
soropositivos que vivem em situação de acolhimento institucional, o
Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis (MONACI) lançou nesta
terça-feira (27), em Curitiba, um protesto para mostrar à população a
real situação desses meninos e meninas.
O
MONACI nasceu após um casal de Curitiba ver de perto a burocracia que
cerca os processos de adoção no país. De acordo com a presidente do
movimento, Aristéia Rau, o trâmite das ações necessárias para que uma
criança seja incluída no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e esteja
disponível para ser recebida por uma nova família é muito lento. Essa
morosidade é ainda maior, segundo Rau, quando as crianças pertencem ao
grupo dos “inadotáveis” (como são chamadas os meninos meninas que estão
fora do perfil mais procurado para adoção - crianças com menos de três
anos de idades, brancas e saudáveis), especialmente as com sorologia
positiva.
Em
agosto 2010, Aristéria e o marido, Alberto Rau, iniciaram o processo
para tentaram adotar quatro meninas soropositivas em Curitiba. Apesar de
já terem conseguido o direto de visita às crianças, que passavam os
finais de semana na casa do casal, em dezembro daquele ano, sem nenhuma
justificativa, segundo Aristéia, a Justiça não concedeu a guarda
provisória das meninas ao casal. Logo após, os dois receberam a notícia
de que a autorização para visitar as meninas havia sido revogada.
Inconformados, o casal começou a pressionar o Poder Judiciário em busca
de uma explicação para a recusa, mas não obtiveram resposta. Em março de
2011, fundaram, então, o MONACI, que colocou em evidência a situação de
descaso do Poder Judiciário em relação as crianças que vivem em
instituições de acolhimento, em especial às com HIV. Hoje, após um ano
sem ver as meninas, o casal conseguiu recentemente a guarda definitiva
de dois irmãos do Rio de Janeiro, mas ainda não desistiram das quatro
garotas por quem se apaixonaram e, pelo que sabem, ainda vivem na mesma
instituição de acolhimento.
Segundo
Aristéia, o discurso do judiciário é de que as adoções devem ser feitas
com cuidado. Mas, para ela, após a apresentação de toda documentação
necessária, o processo deveria ser mais rápida. “As adoções são lentas, o
Estatuto da Criança e do Adolescente não é comprido e, as crianças
negras, mais velhas, portadoras de necessidades especiais e com HIV
demoram ainda mais para entrar na fila do CNA”, diz. Para ela, a Justiça
supõe que essas crianças não vão ser adotadas e então não se preocupa
em dar andamento a seus processos de destituição familiar, e, por isso,
essas crianças ficam abrigadas por até 10 anos e são praticamente
invisíveis dentro do sistema.
Para
ela, adoções de crianças fora do perfil padrão de procura deveriam ser
aceleradas. “Todas as vezes que uma pessoa se interessar por uma dessas
crianças a Justiça deveria das celeridade a esses processos e não
pressupor que essas pessoas sejam lunáticas”, diz.
De
acordo com dados do CNA, em 2011, o Paraná era o segundo estado com
mais pretendentes para adoção no Brasil. Só em Curitiba haviam 600
casais habilitados para adotar e 153 crianças e adolescentes disponíveis
para adoção.
Entretanto,
o MONACI questiona a veracidade desses números, uma vez que, de acordo
com a presidente da instituição, Aristéia Rau, muitos abrigados,
especialmente os que possuem o vírus HIV, não são inscritos no CNA.
Segundo
ela, há um descaso do Poder Judiciário em relação a essas crianças, que
ficam por anos em abrigos sem que os processos para destituição do
poder familiar ou para a reintegração desses jovens nas famílias de
origem sejam concluídos. Dessa forma, essas crianças acabam ficando
esquecidas nesses abrigos e são impedidas de exercerem plenamente o
direito a convivência familiar.
“Esses
números não são reais, pois só apontam as crianças que estão em
processo regular de adoção. Há uma grande demora na destituição do poder
familiar e, muitas vezes, ela não ocorre, pois esses processos
envolvendo crianças com HIV dormitam nos gabinetes dos juízes. As
crianças soropositivas, que chegam muitas vezes bebês nas instituições,
só entram na fila de adoção com 10, 15 anos, quando suas chances de
serem adotadas caem ainda mais”, explicar Rau.
A
fragilidade dos dados do CNA é facilmente averiguada quando observamos a
diferença entre os números oficiais de crianças com HIV disponíveis
para adoção em Curitiba e o número de crianças que vivem nas duas
instituições de acolhimento institucional que abrigam crianças com HIV
na cidade: a Associação Paranaense Alegria de Viver (APAV) e a
Associação Curitibana dos Órfãos da Aids (ACOA). A primeira abriga hoje
15 crianças com sorologia positiva e a segunda, 10. Entretanto, de
acordo com Maria Rita Teixeira, presidente da APAV, para o Conselho
Nacional de Justiça, existem apenas 13 crianças e adolescentes com Aids
disponíveis para adoção no Paraná.
Para
ela, não basta que a Justiça simplesmente encaminhe as crianças em
situação de risco para as instituições e depois “lave as mãos”. É
preciso ver o que se pode fazer por esses meninos e meninas, que não
pode devem envelhecer em uma instituição sem ao menos terem chance de
serem adotados.
“Não
podemos perder tempo. Se existem famílias que estão abertas para
receber filhos, por que dificultar tanto? Existem casais que ficam nove,
10, 11 anos em filas de adoção. E por outro lado, temos crianças que
vivem em abrigos sem terem a destituição familiar decretada pelo mesmo
período. Mas, uma família que não visita a criança por oito anos, tem
interesses em receber essa criança novamente? Em minha opinião, não”,
desabafa Maria Rita.
Outro lado
De
acordo com o promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional das
Promotorias da Criança e do Adolescente do Paraná, Murillo Digiácomo,
não existediferença entre os trâmites para adoção de crianças com ou sem
HIV. A única preocupação da Justiça é orientar os pretendentes a adoção
de que se trata de uma criança que necessita de cuidados especiais. “É
preciso informar aos futuros pais sobre a condição da criança, para que
eles tomem os cuidados necessários para que seu filho não seja segregado
na família ou na escola, para que eles continuem o tratamento sem
tratar aquela criança como um ser doente, até porque hoje a Aids é uma
doença controlável e a expectativa de vida desses meninos e meninas é
praticamente igual aos do que não possuem essa condição”, diz o
promotor.
Sobre
a suposta demora na inclusão dessas crianças no Cadastro Nacional de
Adoção (CNA), Digiácomo explica que a Justiça prima pela convivência
familiar da criança e, por isso, o acolhimento institucional é evitado o
quanto possível. Assim, é preciso, antes de encaminhar uma criança para
adoção, verificar se realmente não existe condição de reintegrá-la a
família, sendo a destituição do poder familiar a última alternativa.
Para
a juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, Lídia Munhoz
Mattos Guedes, a conta do número de casais aptos à adoção e o número de
crianças disponíveis para adoção não fecha devido ao perfil muito
restrito que os adultos buscam. “Existe um estudo amplamente divulgado
pelo Conselho Nacional de Justiça que demonstra que o que ocorre é que
as crianças disponíveis para adoção estão fora do perfil procurado. É
muito raro pessoas se habilitarem para adotar crianças com HIV ou com
qualquer outro tipo de doença”, diz a juíza.
Para
solucionar esse problema, tanto a juíza quanto o promotor reconhecem
que é necessário que o próprio Poder Judiciário incentive a adoção de
crianças fora do perfil mais procurado para adoção. “A
dificuldade para adoção não está na lei, está no perfil que os adultos
procuram, mas isso é mutável. Existem movimentos tentando mudar essa
visão, estimulando a adoção de grupos de irmão, crianças mais velhas,
com alguma doença. Esses grupos tentam conscientizar as pessoas de que
não apenas aquelas crianças que eles idealizaram poderão preencher
plenamente a vontade de ser pai de quem se propõe a adotar, muito pelo
contrário”, explica Digiácomo.
Disponível em: Infância na Mídia
Acessado em 04 dez. 2012.
Disponível em: Infância na Mídia
Acessado em 04 dez. 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário