Dentre as impropriedades e ilegalidades levantadas pelo Estado como
defesa de sua atuação ao condenar a criança ao isolamento definitivo,
foi igualmente alegada em desfavor do jovem a condição de abalo
psicológico na qual este chegou ao abrigamento. Culpou a vítima.
Explica-se: a criança, ao tempo de seu abrigamento em 2004, possuía
convívio familiar com membro de sua família biológica. Entretanto, esta
criança era vítima de reiterados e graves abusos, estes de gravidade tal
que, finalmente, o levaram ao abrigamento!
Por óbvio que uma criança que sofra diuturnamente abusos da mais
condenável natureza apresentará quadro transitório de grave abalo
psicológico, devendo ser submetida a tratamento para que se lhe possa
reverter os traumas adquiridos a ponto de a criança poder ter uma vida
normal. Entretanto, não é o que entende o Estado.
Para esta
entidade, a criança que apresenta quadro de trauma psicológico e
condições transitórias de abalo emocional é responsável por sua condição
e deve ser punida por isso com o isolamento compulsório e definitivo. É
o que declara o ente estatal, afirmando que o jovem:
"(ii) apresenta quadros significativos de depressão, (iii) é criança de difícil convivência, (iv) é agressivo, (v) passa por tratamento psiquiátrico, (vi) tentou o suicídio duas vezes, (vii) não tem condição de sair do abrigamento..."
"(ii) apresenta quadros significativos de depressão, (iii) é criança de difícil convivência, (iv) é agressivo, (v) passa por tratamento psiquiátrico, (vi) tentou o suicídio duas vezes, (vii) não tem condição de sair do abrigamento..."
Porém, todas estas condições foram apontadas no laudo elaborado em
2004 (!), ou seja, oriundo do momento do abrigamento da criança, quando
havia
sido recém resgatada da condição de abuso; jamais foi feita a
reavaliação da criança nos 10 anos (!) subsequentes. Pior do
que isso: o laudo fora confeccionado por assistente social, e não por
médico psiquiatra, psicólogo ou outro profissional da área médica apto a
lhe imputar as condições de saúde alegadas(!!). A criança foi condenada
ao abrigamento por conta de suas (presumível - não provadas) condições
psicológicas transitórias que constaram em laudo, causadas pelos traumas
do abuso, os quais ocorreram antes da criança ser abrigada; foi
desconsiderada toda e qualquer eventual melhora
oriunda dos tratamentos a que foi submetida, do carinho que recebeu na
instituição e o comportamento posterior.
O que o Estado fez foi utilizar o trauma e a situação de risco a que
a criança estava exposta contra ela mesma, impedindo a obtenção de
família substitutiva.
O ato do Estado em assim agir igualmente viola a letra expressa do
Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirma, de forma isenta de
dúvidas, que a criança abrigada deve ter sua situação reavaliada em, no
máximo, cada 6 meses:
"Toda criança ou
adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou
institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis)
meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório
elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de
forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou
colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas
no art. 28 desta Lei." (art. 19, §1º, do ECA)
A situação da criança, no entanto, jamais foi reavaliada (em 10 longos
anos) depois de seu abrigamento. Do contrário, a juíza que cuidou do
caso decidiu por simplesmente arquivar o processo do jovem, em total desrespeito à garantia da Lei, conforme já visto.
Assim foi decidido:
"Observo
que o jovem Xxxx Xxxx xx Xxx Xxxx está sendo assistido nos seus
direitos fundamentais pela entidade de abrigo. Não havendo outros
encaminhamentos para serem aplicados ao presente caso, haja vista a
impossibilidade de reintegração familiar, recolham-se os autos no
arquivo provisório até o surgimento de novos fatos ou a maioridade civil
seja alcançada"
Nada disso foi respeitado.
CONTINUA.
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