quarta-feira, 6 de julho de 2011

Caras e caros da Adoção

Dra. Lidia Weber
Eu imagino o que vocês devem ver e ouvir por aí. Eu aqui no meu canto de pesquisadora também me deparo - constante e sistematicamente - com relatos impressionantes. Ando cansada dessa nova história de que existem "somente" 4416 crianças para adoção no país e mais de 20 mil pretendentes. Onde estão as 80 mil crianças citadas pela pesquisa oficial do IPEA em 2008 (e que pesquisou somente em Abrigos que recebiam fundos federais!)? Em menos de 3 anos elas desapareceram? Ou foram novamente colocadas em outro limbo, o "caixa-dois" do abrigamento. Somente aquelas crianças cujos pais foram destituídos do Poder Familiar é que entram no cadastro (não alimentado pela maioria absoluta dos Juizados do país, segundo relatos oficiais) e já cansei de ouvir que a maioria dos operadores da adoção não faz a destituição de milhares porque não "tem perfil"..., embora muitos tenham um lindo discurso público.... Visitei um abrigo recent emente que, das 24 criancas e adolescentes, apenas 2 estavam no cadastro; das outras, muitas adolescentes não tinham sequer processo! Cada abrigo que tenho visitado ou ouvido dados, tem cerca de 5 a 10% de crianças "disponíveis para adocão". O mesmo percentual de 20 anos quando fizemos a pesquisa que gerou o livro "Filhos da Solidão". Mas, antes se falavam de todas as crianças, agora fica esse discurso irritante de que existem apenas 4 mil e os adotantes é que são muito exigentes, só querem crianças brancas etc. e tal. E canso de ouvir relatos de pretendentes à adoção que querem adotar crianças especiais, crianças maiores, crianças com HIV e ficam esperando tanto e com tantas dificuldades: "não pode visitar abrigos", "não pode adotar quando perdeu um filho", "não pode adotar crianças menores de 12 anos se for homossexual", "não pode trabalhar em um abrigo e querer adotar", "não pode adotar criança especial porque deve querer alguma coisa com isso", " não pode...". E as crianças continuam esperando... e envelhecendo nos abrigos. Quando ficam bemmm grandes, algumas entram para o cadastro e novamente são os adotantes tachados de exigentes.... Parece aquela frase de Tomasi di Lampedusa: tudo deve mudar para que tudo fique como está. Relatos deste feito pela Camila são de tirar o fôlego de raiva. Quando é que vamos de fato fazer alguma coisa para mudar essa situação? Quem sabe seguir a sugestão do Dr. Sávio e fazer com que os operadores da adoção (muitos deles) passem a
lgum tempo em abrigos....

abraço no frio curitibano

Lidia Weber - Em comentário feito no site da Angaad - Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção

Lidia Natalia Dobrianskyj Weber - Professora titular do Departamento de Psicologia da UFPR desde 1982, atuando como Professora da Graduação e da Pós-Graduação. É especialista em Antropologia Filosófica e em Origens Filosóficas e Científicas da Psicologia pela Universidade Federal do Paraná,além de Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Iniciou seus estudos e pesquisas a respeito do Abandono, Institucionalização e Adoção em 1989, tendo publicado os seguintes livros: Filhos da Solidão: Institucionalização, Abandono e Adoção; Aspectos Psicológicos da Adoção, Laços de Ternura: Pesquisas e histórias de adoção, entre outros títulos. Coordena, ainda, o Laboratório do Comportamento Humano da UFPR e o Projeto Criança: Desenvolvimento, Educação e Cidadania.

2 comentários:

  1. Cara Dra. Lídia:

    "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons" (Martin Luther King). Esta frase histórica tem o poder de expressar o nosso sentimento diante do silêncio aterrador daqueles que detêm milhares de vidas em suas mãos. Apesar de estarmos lutando desde setembro do ano de 2010 nossas filhas continuam abrigadas, não podemos vê-las, não podemos falar com elas. Quem tem poder para interferir na inoperância da 2a Vara da Infância e Juventude? Quando o interesse das crianças será efetivamente observado pelos aplicadores da lei? Quando o Poder Judiciário ao invés de buscar culpados, cumprirá o seu papel? Quando será que as equipes técnicas atuarão com independência e mudarão de paradigma de tentar encontrar pais "ideais" para crianças que só querem ter respeitado o direito de terem uma família? Quando o chamado princípio do segredo de justiça vai ser utilizado para proteger as crianças e adolescentes, e não para mascar, impedir que a sociedade tome conhecimento que efetivamente essas crianças não entram na fila de adoção? Quando a desculpa de manutenção de vínculos familiares será utilizado em favor da criança, com cumprimento da lei e respeito ao princípio da dignidade humana? O ECA completa no dia 13/07 - 21 anos de existência -, SEM NADA PARA SER COMEMORADO.
    Obrigada Dra. Lídia Weber, por todos estes mais de vinte anos de luta a favor das crianças que efetivamente "vivem na solidão".

    ARISTÉIA E ALBERTO RAU

    Monaci

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  2. Prezada Dra. Lídia,
    Esse é um dos melhores textos que li nos últimos tempos sobre adoção.
    A tecla em que todo mundo bate ultimamente, (insistentemente) é sobre o mau funcionamento da fila por culpa única e exclusiva dos adotantes, que são demais exigentes e ainda são taxados como preconceituosos, sem capacidade de amar e até racistas.
    É comum vermos reportagens dizendo que a fila não anda por que 30% exigem crianças brancas. Ninguém se lembra dos outros 70%... Por que a fila não anda para esses então?
    Ninguém comenta a lentidão da justiça na destituição das crianças, nem na burocracia e desserviço da obrigatoriedade de restituição da criança para a família, mesmo (muitas vezes) sendo a família a principal culpada pelo envio da criança ao abrigo, seja por maus-tratos, abandono, negligência, violência... Esse processo ainda demora anos, muitos papéis, muita burocracia e a criança cresce, sem família.
    Enquanto essas crianças crescem sem famílias, nossas casas permanecem sem crianças.
    Não podemos adotar uma criança que sentimos afinidade, mesmo que ela esteja em um abrigo...
    Não podemos procurar criancas em outras cidades, por causa de um cadastro nacional que só considera um pequeno percentual de crianças. E ninguem sabe quem cuida dele.
    Essa nova lei de adoção simplesmente acabou com a possibilidade de adoção de crianças pequenas no país.
    E ainda rende belos discursos de agilidade no processo, modernização da lei, maior abrangência, etc...

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