Desde 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em sua mais célebre e garantista edição, tenta-se, neste país, a consecução plena de um direito quase utópico: a igualdade plena, estampada no texto da cláusula pétrea que é o caput do artigo 5º de nossa Carta Magna:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...
Esta magnífica peça de redação, inspirada nos mais humanistas, iluminados e historicamente vanguardistas conceitos filosóficos de proteção à condição existencial do indivíduo, figura como talvez o mais emblemático elemento de nossa Constituição Federal, e certamente é um de seus mais importantes (senão o mais importante) dispositivos.
O legislador não foi econômico em sua colocação; aglutinou em uma só frase verdadeira ode à condição igualitária humana, que não pode ser diminuída ao sabor de um retrocesso discriminatório - e muitas vezes violento - que por inúmeras vezes inundou de sangue, de atraso e de hedionda e pútrida mácula vil as páginas da história.
Todavia, enquanto milhões de brasileiros lutam por este tão aclamado e fundamental direito, alguns ousam se levantar contra ele, em insistir na instituição de uma sociedade discriminatória e que visa diminuir os direitos dos seus.
É nestes termos que a "Bancada do Atraso", como vem sendo pertinentemente rotulada a composição dos Deputados Federais encabeçados por Ronaldo Fonseca (Pros-DF), quer excluir, na base da canetada, a condição de família dos casais homoafetivos e, com um golpe só, também lhes retirar a condição de potenciais adotantes.
Para o deputado e sua trupe, homossexuais não estão inclusos nos objetivos de igualdade do artigo 5º, caput, da Constituição. São, ao seu ver, cidadãos inferiores de quem se deve tolher direitos e garantias fundamentais.
Bancada do atraso quer proibir a adoção de crianças por casais gays
Na Câmara, parlamentares duscutem excluir possibilidade de adoção por casais homoafetivos
24/11/2014 - 15h31 / Por Agência PT
Toni Reis, David Harrad e os três filhos de 11, 7 e 4 anos
Embora não esteja previsto na legislação, o direito de homossexual à adoção de crianças tem sido garantido pela justiça brasileira. Apesar disso, representantes de setores mais conservadores da sociedade no Congresso, como o deputado federal Ronaldo Fonseca (Pros-DF), querem acabar com o nobre ato. Ele propôs a proibição da adoção de menores para casais homoafetivos, contida no projeto que discute o Estatuto da Família, em tramitação na Câmara dos Deputados.
Fonseca apresentou, na segunda-feira passada (17), um substitutivo que define como família apenas a união – estável ou casamento – entre homens e mulheres e seus descendentes. O documento estabelece também que seja incluído no currículo escolar a disciplina “Educação para família”, além da criação de Conselhos de Família e da Semana Nacional de Valorização da Família.
O projeto, apresentado em outubro de 2013, tramitou de forma incomum para temas polêmicos como este. A Mesa Diretora autorizou a criação do colegiado especial, formado majoritariamente por parlamentares conservadores e evangélicos, como Ronaldo Fonseca (Pros-DF), pastor da Assembleia de Deus. Apenas quatro são ligados aos setores mais progressistas, como as petistas Érika Kokay (DF), Iara Bernardi (SP) e Margarida Salomão (MG) e Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). Compõe também o grupo Marco Feliciano (PSC-SP), Eurico (PSB-PE) e Jair Bolsonaro (PP-RJ).
“A realidade que temos hoje é união estável e casamento civil de pessoas do mesmo sexo, não abarcados pelo artigo 226 da Constituição Federal, mas sustentados por decisão do Suprmeo Tribunal Federal (STF) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), recebendo o status de família ‘homoafetiva’”, justificou o parlamentar no documento.
Em resposta, a deputada Érika Kokay garantiu resistir ao ato. “Vamos fazer uma guerrilha regimental para impedir a aprovação desta proposta fascista”, disse em entrevista.
Segundo ela, o primeiro passo foi pedir para que o projeto do Estatuto da Família, do ex-deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), seja analisado. A autorização da Secretaria-Geral da Mesa forçaria a discussão das duas propostas e um novo calendário de discussão.
Resistente - Apesar de afirmar ter consciência das transformações sociais, Fonseca ressalta não fazer sentido proteger tais relações. “Dela não se presume reprodução conjunta e o cumprimento do papel social que faz da família ser base da sociedade”, opinou no documento.
Definidos no material como “casais de mero afeto”, os homossexuais seriam proibidos da adoção, como prevê o artigo 16 da proposta. Ela modificaria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tornaria indispensável que os adotantes fossem “casados civilmente ou mantenham união estável, constituída nos termos do artigo 226 da Constituição Federal, comprovada a estabilidade da família”.
O artigo constitucional reconhece para efeito da proteção do Estado “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”. Desse modo, o projeto do Estatuto da Família tornaria obrigatório a norma legal, ainda que não seja considerada atualmente.
Para o secretário de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, a ação do deputado é, além de um acinte à cidadania, uma tentativa de conquistar alguns minutos de fama.
Ele, que vive em uma relação homoafetiva há 25 anos e adotou três crianças, conta que o STF interpreta esses casos com base no artigo 5º da Constituição. O texto assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
“Esta é uma cláusula pétrea e tem muito mais força que o artigo 226, utilizado pelo deputado Fonseca”, analisa.
“(O deputado) deveria preocupar-se com assuntos mais importantes, em vez de com quem as pessoas dormem”, provocou Reis.
Para ele, caso a aprovação ocorra no Congresso, a proposta será inviabilizada no Executivo. “A presidenta Dilma jamais sancionaria tal acinte e, caso o fizesse, a comunidade LGBT recorreria ao STF, que sempre se mostrou favorável ao ato”, argumenta.
Adoção no Brasil - O Cadastro Nacional de Adoção, ferramenta criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem 32.854 pretendentes. Há 5.618 crianças à espera de uma família e, destas, quase a metade são classificadas como pardas e, a maioria, tem mais de cinco anos de idade.
Não há lei que autorize a adoção por casais homoafetivos, no entanto, a justifica brasileira garante o direito resguardado pelos serviços de assistência social, que define ser o melhor para a criança. A guarda única ainda é mais comum nesses casos. Nessa modalidade, apenas uma pessoa tem a adoção formalizada.
Toni Reis e seu companheiro, David Harrad, passaram por processo de sete anos para adotar os filhos.