Quando da sua defesa, o Estado do Paraná pontuou causas que, supostamente, seriam condições suficientes de impedir a adoção da criança.
Transcrevemos quatro trechos em que o Estado afirmou que a criança:
"...não perdeu a chance de ser adotado. XXXXX nunca teve condições de ser adotado!"
"...não teria condições de sair do abrigamento na Associação Paranaense Alegria de Viver (APAV). Ou seja, o melhor para XXXXX era permanecer na APAV."
"(ii) tinha/tem grave doença..."
Afirmou ainda que:
"O Estado não pode ser obrigado a “presentear” o Autor porque ele não reunia condições para ser adotado."
Em que pese sejam todas as causas apontadas pelo Estado, em maior ou menor grau, discriminatórias e ilegais (pois em nenhum momento a Lei apresenta tais casos como elementos extintivos do direito à adoção), uma em especial gera repugnância: a afirmação de que a criança era aidética.
Apenas para iniciar, esta afirmação viola todo e qualquer princípio de direitos humanos, joga por terra o caput do artigo 5º da Constituição Federal (que prevê a igualdade entre todos os indivíduos), desconsidera toda e qualquer base científica calçada na moderna literatura médica e fere frontalmente os direitos basilares inscritos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mas, ainda de forma pior, a discriminação do indivíduo portador do vírus HIV e do doente de Aids viola direta e frontalmente a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da Aids, que prevê, dentre outras disposições, que:
V - Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/aids, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual.
Assim, a restrição de inscrição da criança em fila de adoção pelo singelo motivo de esta ser portadora do vírus HIV é inegavelmente discriminatória, contrária ao direito tanto quanto as execráveis práticas de racismo, homofobia, xenofobia e outras formas de discriminação congêneres. Também dispõe a Declaração que:
XI - Toda pessoa com HIV/aids tem direito à continuação de sua vida civil, profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania.
Isto apenas reforça que a vida civil e seus direitos, dentre eles o convívio familiar, não se obsta pela condição de portador de vírus HIV! No caso da criança, foi justamente isto que ocorreu: fora confessamente privada do direito à obtenção de convívio familiar por sua especial condição de portador do vírus HIV! E o pior: esta discriminação partiu do próprio Estado!!! A maior violência sofrida pela criança veio justamente daquela entidade que deveria lhe proteger, que deveria fazer cumprir as Leis em seu favor enquanto indivíduo dependente da proteção do Estado!!!
O Estado, ao defender que ser portador de HIV fez do menor excluído/impedido para exercício do convívio familiar, praticou discriminação medieval, análoga a toda e qualquer forma de racismo ou homofobia, identicamente execrados pela Lei e que, há muito, deveriam ter sido exterminados da sociedade.
Não é para menos que, em 03 de junho de 2014, houve a edição da Lei 12.984/2014, a qual criminalizou a discriminação contra portadores do vírus HIV e doentes de Aids, passando a prática a ser punível com 1 a 4 anos de prisão!!
O que se conclui é que o Estado comete crime para "justificar" sua inoperância, na forma de um descumprimento da Lei vergonhoso e abjeto. A entidade estatal, que deveria ser a responsável pelo cumprimento das mais elementares disposições legais, foi a primeira a violá-la, a contradizer o ordenamento jurídico e dolosamente prejudicar a criança sob sua guarda.
CONTINUA...
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