Este mês, mais precisamente no dia 15 de abril de 2014, o jornal Gazeta do Povo publicou impecabilíssima matéria sobre a adoção e o abandono dos jovens e crianças abrigados. Informações prospectadas e transcritas pela minúcia do repórter Felippe Aníbal, que demonstrou ímpar sensibilidade e dedicação à abordagem deste tema, a imagem indelével deixada pela atuação deste exemplar jornalista e seu não menos dedicado e atento meio de mídia (Gazeta) retratam como poucos todos os aspectos da adoção especial, da rotina, vida e abandono nas instituições de abrigamento e, acima de tudo, das falhas e das verdadeiras lástimas judiciárias institucionalizadas que atravancam injustificável e criminosamente os processos adotivos, em especial os daqueles pertencentes aos jovens e crianças que mais precisam da celeridade positivada e mandamental transcrita nas normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O MONACI, que há anos reivindica e luta pelos direitos e pela visibilidade dos inadotáveis perante a sociedade e o judiciário apresenta à Gazeta do Povo e ao repórter Felippe Anibal seus mais sinceros parabéns e congratulações pela espetacular matéria veiculada, a qual pede vênia para transcrição integral neste espaço.
O MONACI, que há anos reivindica e luta pelos direitos e pela visibilidade dos inadotáveis perante a sociedade e o judiciário apresenta à Gazeta do Povo e ao repórter Felippe Anibal seus mais sinceros parabéns e congratulações pela espetacular matéria veiculada, a qual pede vênia para transcrição integral neste espaço.
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"Pelo Cadastro Nacional de Adoção (CNA), pouco mais de 20% dos 1,2
mil crianças e adolescentes aptos à adoção no país sofrem de alguma
doença
15/04/2014, 00:09 - por Felippe Aníbal
Jonathan Campos/Gazeta do Povo
“Até os dez anos, eu queria ser adotado. Sempre quis ter alguém para chamar de pai. Perdi as esperanças.” Guilherme Grassmann, 17 anos
Por detrás dos traços de modelo, o jovem Guilherme Grassmann, de 17
anos, carrega uma história de dupla superação e preconceitos: ele
cresceu em uma instituição de acolhimento, na qual vive desde os 7 anos
de idade; e é portador do vírus HIV. Essas condições reduziram a zero a
chance de que ele fosse adotado. Viu os anos passarem atrás dos muros do
abrigo. “Até os dez anos, eu queria ser adotado. Sempre quis ter alguém
para chamar de pai. Perdi as esperanças”, disse o jovem.
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), mais de 1,2 mil
crianças ou adolescentes aptos a serem adotados no Brasil (20,6% do
total) sofrem de alguma doença. Entre eles, estão 132 portadores de HIV.
Na outra ponta, apenas 8% dos interessados não fazem restrição em
adotar jovens com problemas de saúde.
Nas últimas duas décadas, 151 jovens com o vírus passaram pela
Associação Paranaense Alegria de Viver (Apav), instituição curitibana
voltada a acolher portadores do HIV. Menos de um quinto voltou à família
biológica ou foi adotado. Os demais viram os anos se passar dentro da
entidade.
Por um lado, não é difícil entender o porquê: a adoção de um
adolescente com HIV requer mais dedicação, estrutura emocional e
financeira, já que esses meninos precisam de cuidados especiais. A outra
explicação é que, por muito tempo, esses jovens permaneceram
“invisíveis” às autoridades.
“Por anos, simplesmente não se trabalhou a adoção das crianças com
HIV. As autoridades dificultavam ao máximo as adoções. Parece que elas é
que estavam carregadas de preconceito”, avaliou a presidente da Apav,
Maria Rita Teixeira.
O Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis (Monaci) acusa demora
excessiva na destituição do poder familiar dos acolhidos soropositivos.
Um relatório mostra que, em 2012, dos 33 jovens abrigados na Associação
Curitibana dos Órfãos da Aids (Acoa), apenas dois haviam sido tirados da
família biológica. Na Apav, nenhum dos 18 acolhidos tinha o processo
concluído.
Em razão de todo este contexto, 14 pessoas – hoje já adolescentes e
jovens – portadoras de HIV moveram, em novembro do ano passado, uma ação
por danos morais contra o Estado. Na avaliação do advogado Thiago Zeni
Marenda, as autoridades descumpriram o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), que determina que as destituições sejam concluídas em
até 120 dias.
“Eles envelheceram nos abrigos, sem que lhes fosse dada a chance de
adoção. Não existe uma justificativa para isso. Foi meramente
preconceito, por serem soropositivos”, afirmou o defensor.
Acolhimento familiar: uma alternativa aos abrigos
Com 352 jovens atendidos, o Paraná é o estado que mais tem crianças e
adolescentes amparados pelo “Programa Acolhimento Familiar”. Pela
iniciativa, em vez de permanecerem em abrigos, os meninos e meninas
órfãos ou afastados dos pais podem ser acolhidos por outra família, até
serem encaminhados à adoção ou que tenham condições de voltar a viver
com parentes. A modalidade é considerada uma alternativa mais humanizada
de proteção aos jovens.
Segundo dados do Ministério de Defesa Social (MDS), de cada quatro
acolhimentos familiares ocorridos no país, um está no Paraná. Até
estados mais populosos, como São Paulo e Minas Gerais, ficam para trás.
O
principal exemplo de sucesso do programa é Cascavel, onde 80% dos
acolhidos – pouco mais de 140 crianças e adolescentes – não estão em
instituições, mas convivendo com outras famílias, por meio da
iniciativa. A cidade faz parte do “Acolhimento Familiar” desde 2006,
quando esta modalidade de amparo foi incluída na Lei de Adoção.
“Essas crianças e adolescentes não podem viver até a maioridade nas
instituições. Precisam experimentar a convivência familiar, numa família
organizada”, apontou o juiz Sérgio Luiz Kreus, que há 17 anos atua na
Vara de Infância e Juventude de Cascavel. O sonho do magistrado é zerar o
número de acolhimentos em instituições na cidade.
Graças ao programa, Cascavel reduziu o índice de abrigamento em
instituições. Hoje, o município têm três casas-lares (com seis crianças,
cada) e duas casas de acolhimento, com cerca de 20 jovens. “Depois do
programa, perdemos pouquíssimos jovens para as ruas e para as drogas”,
disse Kreus.
Procedimentos
As famílias interessadas em acolher passam por uma seleção técnica,
feita por psicólogos e assistentes sociais. Como contrapartida, a
família acolhedora recebe ajuda de custo de um salário mínimo. Apesar do
inevitável vinculo afetivo, as famílias e os jovens devem ter em mente
que este acolhimento é temporário.
Amor sem restrições
Segundo o CNA, o Brasil tem 633 crianças e adolescentes aptos à
adoção com algum tipo de deficiência física ou mental. Em Curitiba, são
33 jovens nessa condição. São situações que exigem dedicação em tempo
integral, mas que não assustaram o casal Carlos e Claudete Schiavo. Eles
conheceram Talita em 2006, quando ela tinha 1 ano de idade, e não
recuaram diante da notícia de que ela tinha uma alteração genética que
implicaria em déficit intelectual e dificuldades na fala. Na mesma
semana em que a adoção foi oficializada, receberam a notícia de que
Claudete havia engravidado. “Antes dos filhos, já éramos felizes, mas
faltava um complemento. E Deus nos deu essa felicidade em dobro. Eles
foram criados como gêmeos”, disse Carlos.
Experiência é gratificante, diz mãe acolhedora
Luiz Carlos da Cruz, correspondente
Há dois anos e meio o casal Silvana Bernardin e Santo Zaniolo
resolveu acolher dois irmãos – uma menina hoje com 16 anos e um garoto
de 14. Não se arrependem de terem ingressado no Programa Família
Acolhedora. Tanto que há três meses receberam outro menino, de três
anos, que faz a alegria do casal. “É um aprendizado para nós e para as
crianças. Eles têm uma família, um lar e regras; e a gente sabe que tem
obrigação de dar educação”, diz Silvana.
Ela tem consciência de que a qualquer momento a Justiça poderá
decidir pela adoção definitiva das crianças e eles serem levados para
outro lar. “Quando entramos [no projeto] fomos orientados sobre isso,
tanto que eles não chamam a gente de mãe porque sabemos que não é algo
definitivo”, diz.
O garoto de três anos não desgruda do “pai acolhedor”. Acorda de
manhã e a primeira coisa que fala é um sonoro “bom dia para vocês”. Para
Zaniolo, essa saudação diária não tem preço. “Já paga o meu dia”, diz.
Há duas quadras dali, outras crianças convivem com outra família
acolhedora. Um garoto de 12 anos, outro de 16 e uma menina de 15 anos
encontraram na bancária aposentada Judite de Andrade Zacarkin o carinho
necessário que não tiveram com os pais biológicos. Os três irmãos moram
com a nova família há quatro anos e meio. Hoje, são escoteiros e além
dos estudos normais, fazem curso de inglês.
“São crianças que se a gente trabalhar com elas serão cidadãos de bem
que farão alguma coisa para contribuir com o país”, avalia.
Na pele
Instituições e crianças tiveram de vencer o preconceito
As dezenas de crianças e adolescentes que passaram pela Apav e pela
Acoa – as duas únicas instituições do Paraná voltadas a acolher
portadores de HIV – aprenderam da forma mais difícil o significado da
palavra preconceito: sentindo-o na pele. Quando as entidades foram
fundadas, no início da década de 1990, não havia pesquisas consolidadas
sobre o vírus. As escolas chegavam a se negar a atender os alunos
soropositivos.
Por isso, os voluntários sempre trataram do tema HIV abertamente com
as crianças. Ainda assim, quem foi alvo dos “olhares tortos”, não se
esquece. “Eu sempre fui popular na escola. Mas, quando eu dizia que
tinha HIV, quase todo mundo se afastava. Era chato. Só meus amigos de
verdade mesmo é que ficavam perto”, contou Guilherme Grassmann.
Mesmo autoridades raramente visitavam as casas, com receio de serem
contaminadas. A saída para mudar o quadro foi difundir informações e dar
bons exemplos. “Os voluntários abraçavam, beijavam, afagavam as
crianças. Com isso, mostrávamos que não tinha o que temer”, disse a
presidente da Apav, Maria Rita Teixeira.
Um dos acolhidos na Apav, Felipe Teixeira, hoje com 15 anos, acabou
adotado por Maria Rita. O menino chegou à instituição com dois meses de
vida, pesando um quilo. Contra todos os prognósticos viveu e se tornou
um bonito rapaz. “Um gentleman”, define a mãe. “Ele gosta muito de dizer
que foi gestado no meu coração. E é a pura verdade”, revelou.
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